quinta-feira, 14 de abril de 2011

Viciados em doces - por Bijal Trivedi

Instalada no sofá, vendo televisão, sinto aquele desejo noturno. Quanto mais resisto, pior fica. Dali a 20 minutos, não consigo me concentrar; estou ansiosa e inquieta. Por fim, vou até o congelador, atrás do estoque do produto branco, e tomo uma dose. Quase na mesma hora, relaxo, com o cérebro inundado de prazer, enquanto a substância química corre pelas minhas veias. Não é fantástico o que algumas colheradas de sorvete podem fazer?
 
Para o meu cérebro, o açúcar é primo da cocaína. Há indícios convincentes de que os alimentos ricos em açúcar, gordura e sal – como quase toda junk food – consigam alterar a química do cérebro do mesmo modo que drogas altamente viciantes.
 
Alguns dizem que já há dados suficientes para justificar a regulamentação da indústria alimentícia pelo governo e imprimir alertas de saúde pública nos produtos com nível perigoso de açúcar e gordura. Um advogado americano afirma que pode haver indícios suficientes até para começar uma luta jurídica contra o setor de fast-food por anunciar conscientemente alimentos prejudiciais à saúde, numa repetição dos processos contra a indústria do fumo das décadas de 1980 e 1990. Com o nível de obesidade disparando no mundo todo, é óbvio que não sou a única a adorar doces, mas será que isso é tão grave quanto o vício em drogas?
 
No livro Lick the Sugar Habit (Derrote o hábito do açúcar), publicado em 1988, Nancy Appleton, “sucrólatra” confessa, apresentou uma lista de fatores para determinar se o leitor também era viciado. Desde então, a noção se tornou bastante comum.
 
Em 2001, os neurocientistas Nicole Avena e Bartley Hoebel começaram a estudar se o vício em açúcar tinha uma base biológica.
 
Dependentes de açúcar
Durante doze horas por dia, deram a ratos um xarope de açúcar com concentração semelhante à dos refrigerantes, além de água e ração normal para ratos. Dali a um mês, os ratos apresentavam um comportamento que, segundo os pesquisadores, era quimicamente idêntico ao dos ratos viciados em morfina. Eles se empanturravam de xarope e tinham sintomas de ansiedade quando este era retirado – sinal de síndrome de abstinência. O mais importante foi que os pesquisadores observaram que o cérebro dos ratos liberava o neurotransmissor dopamina sempre que eles se entupiam de xarope, mesmo depois de comê-lo durante semanas.
 
Isso não é normal. A dopamina estimula a busca do prazer, seja na comida, nas drogas ou no sexo. É uma substância química fundamental para o aprendizado, a memória e a configuração do sistema de recompensas. Nicole Avena explica que sua liberação seria de esperar quando comessem algo novo e não com um alimento ao qual estavam acostumados. Segundo ela, “esse é um dos marcos do vício em drogas”.
 
Depois desse estudo importante, várias outras experiências confirmaram os achados. Mas foram estudos recentes com seres humanos que fizeram a balança dos indícios pender a favor de rotular como vício o gosto por junk food. Costuma-se descrever o vício como amortecimento do sistema cerebral de recompensas provocado pelo uso excessivo de alguma droga. É o que acontece no cérebro dos indivíduos obesos, diz Gene-Jack Wang, do departamento médico do Laboratório Nacional de Brookhaven do Departamento de Energia dos EUA. Em 2001, ele descobriu no cérebro dos obesos uma deficiência de dopamina quase idêntica à dos viciados em drogas.
 
Em estudos subsequentes, Wang mostrou que basta apresentar a indivíduos não obesos o seu prato predileto para que uma área do cérebro chamada córtex frontal orbital, envolvida na tomada de decisões, se inunde de dopamina. A mesma área é ativada quando se mostra a viciados em cocaína um saquinho de pó branco.
 
Surto de prazer
Eric Stice, neurocientista do Instituto de Pesquisa do Oregon, vem tentando prever a propensão dos indivíduos ao vício em junk food observando como o cérebro reage ao receber uma “dose rápida” de milk-shake de chocolate.
 
Ele descobriu que adolescentes magros com pais obesos tinham um surto de dopamina mais forte do que os que tinham pais magros. “Há pessoas para quem comer é mais orgásmico”, diz ele. Quando essas pessoas comem demais, o sistema de recompensa se amortece, o que torna a comida menos satisfatória e as motiva a comer mais para compensar. Segundo Stice, é exatamente o que vemos no uso crônico de álcool e outras drogas.
 
Stice também demonstrou que certas pessoas têm reação amortecida à dopamina quando comem alimentos apetitosos. Isso as torna mais vulneráveis à obesidade, porque precisam comer mais para obter um nível compensador de liberação de dopamina.
 
Juntos, esses estudos indicam que há duas vias para o vício em comida: uma para quem acha a comida mais compensadora do que a média das pessoas, outra quando não é bastante compensadora.
 
Fast-food
É claro que a fast-food é mais do que uma boa dose de açúcar; está mais para um coquetel de açúcar, sal e gordura. O neurocientista Paul Kenny, do Instituto de Pesquisa Scripps, na Flórida, vem verificando o impacto de uma dieta de junk food sobre o comportamento e a química cerebral dos ratos.
 
Ele queria saber se ratos que comessem junk food teriam reação semelhante à dos ratos viciados em cocaína. Usou três grupos de ratos. O grupo de controle só recebia ração-padrão. O segundo podia comer bacon, linguiça, chocolate e cobertura de açúcar durante uma hora por dia, com água e ração regular para ratos no restante do tempo. O último grupo recebia um bufê 24 horas do tipo coma-quanto-quiser, com junk food e ração para ratos.
 
Quarenta dias depois, Kenny retirou a junk food. Os ratos com acesso ilimitado a esse tipo de comida rejeitaram outros alimentos. “Foi como se tivessem adquirido aversão à alimentação saudável”, diz Kenny. Os animais levaram duas semanas para voltar a comer normalmente.
 
Kenny explica que o acesso ilimitado a uma droga como a cocaína causa forte impacto no cérebro, e seria de esperar que os efeitos viciantes da comida fossem menos acentuados. Mas “as mudanças ocorreram rapidamente e vimos efeitos impressionantes”.
 
Agora há quem afirme que a junk food rica em sal, açúcar e gordura dispare mecanismos biológicos tão poderosos e difíceis de combater quanto as drogas mais viciantes. Como controlamos as drogas por causa dos males que podem causar, seria hora de começar a endurecer a regulamentação da fast-food também?
 
John Banzhaf, advogado que, na década de 1960, ganhou um processo na justiça que obrigou as emissoras americanas de rádio e TV a ceder espaço gratuito para mensagens contra o tabagismo, está voltando a atenção para o setor de fast-food e o seu papel na promoção da epidemia de obesidade. Ele acredita que há pesquisas suficientes para que o Ministério da Saúde publique um relatório sobre o vício em comida, como fez em 1988 sobre o vício em nicotina. Mas admite que será uma luta complicada. “A fast-food não é uma [única] substância química, então não se pode perguntar se um cheeseburger triplo com bacon vicia”, diz ele. Seria necessário haver algo mais específico a respeito da quantidade de açúcar, sal e gordura.
 
Nos EUA, já há sinais do que vem por aí. As gorduras trans foram recentemente banidas de restaurantes de Nova York e da Califórnia, e, em escolas, os refrigerantes gasosos estão sendo tirados de algumas máquinas de venda, para se antecipar à lei que tornará essa exclusão obrigatória.
 
Não surpreende que o setor de alimentos e bebidas esteja se preparando para a luta. Esses alimentos só são viciantes para “um determinado subconjunto de consumidores que não exerce a necessária disciplina”, diz Hank Cardello, ex-executivo de empresas alimentícias, como a Coca-Cola.
 
Ele acredita que a isenção fiscal para empresas que produzam alimentos pobres em quilocalorias seja uma estratégia que não destruiria as que vendem fast-food. É claro que o poder supremo está nas mãos do consumidor.
 
Atesto que é possível romper o hábito. Depois de duas semanas de abstinência a frio, posso afirmar que consegui perder o hábito do sorvete. Ah, se eu conseguisse perder o vício em televisão...

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