sexta-feira, 1 de julho de 2011

Durma bem, senão...

Miriam Castro estava exausta. Embora fizesse mais de 48 horas que a psicóloga de 47 anos chegara à Austrália acompanhando o marido, analista de sistemas que acabava de ser transferido para Brisbane, ela ainda se recuperava da diferença de fusos horários – o chamado jet lag. Tinha deixado o Rio de Janeiro às 15h30 de uma segunda-feira e, depois de três conexões e 35 horas de vôo, desembarcou em Brisbane na manhã de quarta-feira. Miriam não quis descansar durante o dia, na esperança de dormir a noite toda.
No entanto desfrutar o sono necessário não foi fácil, embora estivesse mais de dois dias sem descansar de fato. “Dormi mal durante os vôos e, na última conexão, na Nova Zelândia, houve um atraso que agravou ainda mais o meu cansaço”, conta ela. A mudança de horário desorganizou completamente seu padrão de sono: na primeira noite despertou às 2 horas com toda a disposição e só percebeu que continuava cansada, quando, no domingo, saiu para fazer compras e, ao descer do ônibus, caiu. “De repente, sem que me lembre como, eu me vi no chão”, diz ela. Na queda, Miriam quebrou o pé esquerdo e teve de engessar a perna.
“A privação de sono pode causar irritação, falta de concentração e dificuldade de cognição. A pessoa pode até perder o senso de direção”, afirma a Dra. Luciane de Mello Fujita, especialista em Medicina do Sono, do Instituto do Sono de São Paulo.
Seja por causa de jet lag, mudança de horário de trabalho, insônia crônica, distúrbio do sono ou simples tentativa de trabalhar algumas horas a mais, todos já sentimos a exaustão causada por noites maldormidas. Na verdade, dormir é tão importante para um estilo de vida saudável quanto exercícios físicos e alimentação adequada. Estudos indicam que a carência de sono pode aumentar o risco de doenças cardíacas, acidente vascular cerebral, diabete, obesidade e depressão. Uma boa noite de sono é um dos recursos mais eficazes de que se pode lançar mão para manter-se saudável.
De quantas horas de sono você precisa?
Ter uma boa noite de sono significa acordar descansado e energizado. No entanto o chamado “sono reparador” varia de pessoa para pessoa. “O número ideal de horas é individual”, afirma a Dra. Luciane. Se a pessoa dormir menos do que precisa por noites seguidas, acumula um déficit de sono. “Dormir menos uma hora por dia já caracteriza privação de sono”, diz ela.
Tudo depende da constância do problema. “A ocorrência de insônia numa única noite não é muito importante”, afirma a Dra. Gisele Minhoto, psiquiatra e professora da PUC-PR. “Mas a privação de algumas horas de sono durante várias noites vai se somando e pode equivaler à falta aguda de sono por três ou quatro dias, por exemplo.”
Flávia Lima, 34 anos, produtora de eventos no Rio, sabe que a média de quatro horas por noite que dorme não é suficiente. “Há cinco anos passo por esse tormento. Chego cansada em casa, mas não relaxo”, conta ela. Sem conseguir dormir, vai para o computador trabalhar mais um pouco, assiste à TV e às vezes até toma remédios para dormir, mas nada funciona. E o pior: como fica ansiosa, ataca a geladeira. “Nessa brincadeira, já engordei cinco quilos!”, queixa-se Flávia.
Segundo estudos realizados pela Sociedade Brasileira de Sono e pela Federação Latino-americana de Sociedades de Sono, o brasileiro dorme em média 7,5 horas por noite. No entanto 15% da população tem, no máximo, seis horas de sono por noite.
“O estresse e até o fato de algumas pessoas considerarem dormir uma perda de tempo tiram-nos as horas de descanso necessárias”, diz o professor John Fontenele Araújo, do Laboratório de Neurobiologia do Departamento de Fisiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Uma pesquisa realizada com um grupo de trabalhadores de uma petroquímica no estado revelou que 60% dos entrevistados gostariam de dormir menos, pois consideravam dormir uma perda de tempo. E 25% deles dormiam menos mesmo tendo sono e tempo para descansar.
Seja por deixarmos as tarefas domésticas para depois que as crianças vão para a cama, cumprirmos compromissos sociais ou trabalharmos até tarde, o fato é que dormimos menos do que deveríamos.
Mas para alguns o problema não está em encontrar tempo para dormir, mas na dificuldade em adormecer e manter um sono contínuo. A insônia e a apnéia do sono são os dois distúrbios do sono mais comuns entre os brasileiros. Uma pesquisa do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo mostrou que cerca de 30% da população se queixa de sono não-reparador. Destes, 10% sofrem de insônia e precisam de tratamento.
Quanto à apnéia, seu diagnóstico depende de um exame ainda não disponível para toda a população – a polissonografia. “O maior problema é que embora haja um porcentual elevado de pessoas com insônia e apnéia, o brasileiro não valoriza seus problemas de sono, e por isso não procura um especialista”, alerta Araújo.
Por que dormir bem é importante?
Não dormir o suficiente pode comprometer a saúde. “O sistema imunológico funciona melhor se dormimos bem, pois as células K (células exterminadoras naturais de agentes nocivos) são produzidas durante o sono e são fundamentais para o bom funcionamento desse sistema”, explica o professor Araújo. Essas células, produzidas na medula óssea, são encontradas no sangue e no líquido linfático.
“Estudos experimentais em animais demonstraram que o estresse provoca a diminuição dos glóbulos brancos na corrente sanguínea, entre os quais se encontram as células K”, afirma o neurologista Jorge Noujaim, vice-presidente da Academia Brasileira de Neurologia. As células K fazem parte do mecanismo de defesa do corpo contra vírus, bactérias e até contra o câncer, e não funcionam apropriadamente nos indivíduos sob privação do sono.
Um estudo da Escola de Medicina de Cerrahpasa, na Turquia, concluiu que, depois de 24 horas sem dormir, a porcentagem de células K no sangue cai em 37%. Outro estudo, este da Universidade da Califórnia, analisou 23 homens, e chegou à conclusão de que uma só noite de privação parcial do sono reduz a atividade das células exterminadoras naturais a 72% dos níveis normais.
Embora a atividade dessas células se normalize depois que a pessoa volta a dormir adequadamente, o Dr. Noujaim adverte que “o problema são os possíveis danos no caso de se prolongar o tempo em que o sistema imunológico deixa o corpo sem defesas e suscetível a infecções”.
Mas não é só o sistema imunológico que sofre com a falta de sono. “Existe uma incidência maior de problemas cardíacos entre as pessoas que apresentam transtornos do sono”, diz o Dr. Antônio Felipe Simão, diretor científico da Sociedade Brasileira de Cardiologia de Santa Catarina. Indivíduos com carência de sono mostram sinais cada vez mais fortes de um indicador de doenças cardíacas – a proteína C-reativa ultra-sensível (PCRus), cuja presença em níveis anormais, associada à apnéia obstrutiva do sono, pode ter papel importante no aparecimento de problemas cardiovasculares.
Pesquisadores da Universidade de Chicago descobriram que o déficit crônico de sono pode diminuir a capacidade de o corpo regular hormônios e processar carboidratos. Em seu estudo, eles reduziram de oito para quatro horas o período de sono dos participantes. Em menos de uma semana foram observadas alterações físicas semelhantes aos efeitos da diabete precoce. “Os distúrbios do sono aumentam a probabilidade de um estado pré-diabético (intolerância à glicose e resistência à insulina) e de obesidade”, diz o Dr. Simão. Tanto a intolerância à glicose quanto a resistência à insulina são marcadores para doenças cardíacas.
A nutricionista Liane Quintanilha Simões, do Conselho Federal de Nutricionistas, afirma que a questão hormonal associada ao distúrbio do sono também pode contribuir para a obesidade. Ela cita o hormônio do crescimento, responsável por importantes funções no metabolismo, entre elas a diminuição de deposição de gorduras em algumas regiões do organismo, e cuja liberação ocorre durante o sono. “Quando o indivíduo não dorme, os níveis desse hormônio não se elevam. A fome é então estimulada”, diz Liane. Além disso, ocorre também a redução da leptina, hormônio supressor do apetite; a grelina, hormônio que controla picos de fome, eleva-se com a falta de sono, aumentando o apetite; e o organismo passa a produzir mais cortisol, hormônio do estresse, o que propicia o armazenamento de gordura. “Por isso, uma boa noite de sono também contribui para o combate à obesidade”, conclui a nutricionista.
Segundo a Dra. Gisele Minhoto, o sono é importante também para manter a atividade cerebral equilibrada. Cada fase do sono é regulada por neurotransmissores – substâncias responsáveis pela comunicação entre os neurônios – e durante a fase não-REM, que representa 75% do tempo total do sono, os neurotransmissores são “recarregados”. “Por isso, a perda de horas de sono pode provocar uma alteração no equilíbrio e na quantidade de neurotransmissores e, dessa forma, desencadear distúrbios como depressão, ansiedade e sentimentos de raiva ou tristeza”, afirma a médica.
Como ter uma boa noite de sonoA Dra. Luciane Fujita dá as seguintes sugestões:
• O quarto deve estar em silêncio e a cama deve ser confortável.• Levante-se e deite-se todos os dias à mesma hora.• Limite o consumo de cafeína e de nicotina. E jante de duas a três horas antes de ir dormir. É mais difícil adormecer se estiver digerindo o que comeu. Um lanche leve, porém, pode ajudar.• Exercite-se regularmente. A atividade física pode proporcionar um sono de melhor qualidade. No entanto, exercícios vigorosos pouco antes de dormir podem retardar o sono.
Se você tiver dificuldade em pegar no sono ou dormir:
• Não fique se virando na cama por mais de meia hora. Levante-se e faça algo relaxante, como ler.• Estabeleça um ritual tranqüilo antes de ir para a cama: beba um copo de leite morno ou chá de ervas; leia ou tome um banho morno.• Trate problemas médicos que possam contribuir para distúrbios do sono, como a apnéia do sono e a síndrome da perna inquieta.Se a dificuldade para dormir persistir, existe uma variedade de medicamentos disponíveis. Embora as pílulas para dormir hoje sejam significativamente mais seguras, “se seu uso for feito por um longo período, existe uma chance maior de causarem dependência”, afirma a Dra. Luciane.
“Mas a insônia prolongada pode ser sinal de um problema mais sério e deve ser avaliada com atenção”, diz o Dr. Jorge Noujaim. “É preciso consultar seu médico antes de tomar qualquer medicamento para dormir.”

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